quinta-feira, dezembro 23, 2004

Ontem a criança chorava à noite, temendo os monstros que se escondiam nas trevas do quarto.
Ontem o menino dormiu, após seu pai ter acendido as luzes, mostrando que os terríveis monstros não passavam de sombras, desapareciam com a luz.
Hoje eu passei a noite em claro, tateando em vão à procura de um interruptor na minha alma.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

E pra que eu vou tentar escrever se há muito que já me descreveram melhor do que eu poderia?
...
Da série "Poesia pra tentar caminhar":


Poema de Finados

Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.

Leva três rosos bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.

O que resta de mim na vida
É a amargura que sofri
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.

Hoje eu desejo uma caverna, uma toca, um buraco...
Desejo que me deixem, que não me aborreçam, que não me procurem.
Hoje eu quero ficar como morto, mais que morto, não nascido.
Não quero saudades, não quero amizades...
Preciso ficar em silêncio, virar uma pedra.

Hoje sou um velho de longas barbas, de olhos baços
Trago a boca seca as mãos trêmulas.
Minhas pernas fraquejam, minha voz some.
Vou abrir o vinho que guardava para uma ocasião especial e derrama-lo na pia...
Vou rasgar minhas melhores roupas, vou raspar minha cabeça
Vou queimar meus retratos e minhas memórias.
Hoje vou tentar chorar.

3 da manhã, e mais uma vez a tristeza aqui chega...
Como uma visita indesejada, como se fosse a própria morte.
Como se viesse para ficar, grande como um oceano.
Vem nas costas de um amor perdido, empurrada por um amigo morto.
Chega como um homem cansado, fica como uma mulher amarga.
Senta-se na soleira, traz-me mais um pesadelo.
Leva uma noite de sono, me dá a fumaça de um cigarro.

A tristeza é a lembrança de um sorriso, de um acerto que acabou em um erro.
Ri da alegria perdida, me tira da vida e novamente me joga na morte.
Me seca os olhos, a boca, as veias.
Tira-me o pulso, quebra meus dentes.

Me faz caminhar como se morto estivesse, me verga sob seu peso.
Às vezes me consome, às vezes eu a consumo.
É uma tristeza tão densa que pode ser quase tocada,
Arranha minha gargante, me faz velho como o tempo.