sábado, dezembro 11, 2004

Ainda ontem éramos muitos,
Éramos uma foto com vinte e poucos sorrisos que brilhavam, radiantes.
Éramos página em branco – ou ao menos assim nos víamos.
Ainda ontem eram as festas, o vinho, a alegria.
A tristeza era algo do que apenas ouvíramos falar, e havia muito tempo.

A fotografia hoje está desbotada, os sorrisos apagados ou falsos
Deixamos a infância e encontramos a vida.
Rostos que desaparecem ao passar dos anos...
Mortos, na vida ou na morte.

Ontem éramos riso, hoje eu sou uma lágrima
Dia a dia percebemos que os sorrisos eram falsos,
Que as festas eram fugas, que o vinho era o torpor
A celebração deu lugar ao lamento
Os amigos que fomos perderam-se na névoa

Ontem eu acordei cansado,
Velho além dos meus anos
Morto em vida.
Quem vem lá?
Me pergunto ao divisar um vulto que se aproxima....
Não é ninguém, respondo a mim mesmo
O vulto se aproxima e percebo que este é só memória

Ainda ontem dançávamos enlouquecidos...
Flertávamos, girávamos no pulsar das luzes
Cada um de nós era uma possibilidade,
Tinha um destino, tinha um propósito.

Hoje já não somos nós,
Sou apenas eu, trancado em mim mesmo,
As cores abandonaram minha visão,
Vejo um mundo cinza, com almas negras.

Ontem pensei que meu coração batia.
Pensei que me movia com a energia da juventude
Hoje vejo que estive parado por tempo demais.
Sonhando acordado – se acordado eu estava.

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Hoje eu saí de casa
E me perdi pelas ruas,
Esperando encontrar amigos há muito mortos

Hoje eu me sentei em uma praça
E fixei meu olhar profundamente em meu interior
Tudo o que vi foi um imenso vazio

Hoje eu morri,
E descobri que minhas crenças eram pura ilusão
Pois na morte não há nada, somente o vazio que vi em mim mesmo.

Hoje decidi viver
Mas, temendo não haver mais vida em mim,
Chorei lágrimas presas há séculos.

Chorei meus mortos e meus erros
Chorei quem eu poderia ter sido
Chorei por quem sou.

Hoje eu morri, nasci e cresci.
Fui cadáver, criança, homem e velho
Vi minha vida passar passar por diante de meus olhos.

Hoje eu me vi louco, mendigo, herói e covarde
Gritei em agonia, senti mil flechas cravando-se em meu peito.
Segurei em minhas mãos a pedra que costumava ser meu coração.
Com uma faca abri meu peito,
E, apavorado, percebi o negror que lá se alojou.

Vi a semente da morte brotando,
Furei meus olhos, por não agüentar a agonia de tal visão
Vi-me cego, surdo, mudo.
Gritei de horror.
Desejei não ter morrido, temendo ainda viver.

terça-feira, dezembro 07, 2004

A vida esvai-se como água em um copo furado
Escondidos da morte entre paredes, não percebendo que assim somente apressamos sua chegada.
A história é escrita pelos vencedores, já se disse...
E é verdade. Todos acreditamos que chegaremos aos 80 anos, e lá poderemos olhar para trás e avaliar a vida. Lemos coisas ditas pelos velhos, e imaginamos que um dia estaremos na situação de dizer o mesmo.
Esperamos que nossa morte seja calma, em uma cama, cercados pelas pessoas que amamos, com um filho, talvez, a segurar-nos a mão...
Isto pois é esta a morte esperada, quando já estivermos cansados – se tal é possível – da vida, ou tão alquebrados que a libertação será bem vinda.
Não imaginamos que morreremos cedo... Que seremos vítimas de um acidente, da violência ou de uma doença rara aos 20, 30 ou 40 anos...
Negamos o medo desta vulnerabilidade, pois encara-la é por demais enlouquecedor...
Não ousamos imaginar que podemos perder um membro, ficar cegos, tornarmo-nos deficientes por qualquer motivo...
Imaginamos sempre que isto somente acontece com os outros, e que a nós caberá apenas lamentar o infortúnio alheio, compadecermo-nos com ele, mas que jamais sentiremos na carne a real dor de tais males.
Acontece que todos aqueles que sofrem de tais males, em algum momento de suas vidas, pensaram-se também imortais, intangíveis, heróis de sua própria história.
Então, um dia, um acidente, um tiro, uma queda de mal jeito, uma doença insidiosa chegou e acabou com todas as ilusões de intangibilidade.
Pergunto a mim mesmo o que me estará reservado... se uma vida longa, sem maiores percalços do que as minhas angústias imaginárias, ou se um revés da vida virá para me mostrar que não nos cabe planejar o futuro, viver em função deste, pois tudo o que nos foi dado pode nos ser tomado?
Tornarmo-nos aleijados, castrados.... Morrermos... Tal é a angústia de vida, este é o medo que me assola...
Imaginar, talvez, que terei uma vida longa, sem maiores problemas de saúde, morrendo na hora em que a morte deixa de ser tão assustadora – se é que há este momento...
Isso assusta quase tanto quanto, se não mais...
Imaginar uma longa vida é imaginar uma enorme sucessão de enterros...
Enterrem seus mortos.... Chorem seus entes queridos...
Imaginar que aqueles que mais amo me podem ser arrancados de uma hora para outra, sem explicações, por motivos que somente um Deus intangível conhece...
Não quero precisar ter que aprender pela dor... Não quero arrumar o quarto de meu filho morto. A morte, principalmente a violenta, é por demais cruel para que lidemos com ela...
Não só a minha dor me atinge...
Imaginar que esta noite mais um pai terá de ir ao necrotério reconhecer seu filho...
Imaginar que hoje várias pessoas morrerão mortes estúpidas e cheias de sofrimento...
Me lembro de um caso ocorrido em uma cidade próxima, no qual um casal de senhores foram amarrados, vendados e depois, mortos a marretadas em troca de uma meia dúzia de bijuterias...
Cortou minha alma imaginar o sofrimento deste casal, principalmente do segundo a morrer, qualquer que tenha sido este...
Minutos eternos de pânico, impotente para impedir a morte da pessoa que amava e sabendo que seria o próximo a sofrer o mesmo destino.
É um mundo doente este em que vivemos...
Talvez por isso eu tenha preferido tentar viver anestesiado durante tanto tempo...
Talvez eu não consiga suportar tanta dor, a minha e a de todos os que sofrem...
Como disse, John Donne, não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.
A morte de cada homem me atinge como um prenúncio da minha própria, a dor sentida por cada pessoa é por mim sentida como se estivesse em minha própria carne.
Estranhamente escolhi uma profissão que me deixa, dia a dia, em contato com o que há de pior no ser humano...
Nos poucos anos que faço o que faço, vi horrores indizíveis...
Vi pais que choravam seus filhos que lhes foram tomados de modo estúpido...
Vi cadáveres horrivelmente desfigurados, esquartejados, queimados quiçá vivos...
Toda esta dor se alojou em meu peito e não consigo tira-la de lá.
Podemos fingir que isto não nos atinge, mas chega um momento em que a farsa cai por terra. Somos humanos, o sofrimento alheio nos atinge sim, até porque tendemos a imagina-lo como nosso próprio sofrimento.
É terrível carregar este peso...
Não quero morrer de tanta dor.
Não quero tampouco viver como o leitor de um livro, alheio àquele universo que se desenha nas páginas, cujo único interesse é o de saber qual será o destino daqueles personagens imaginários... Não consigo mais ver o mundo como se todas as outras pessoas fossem aqueles personagens imaginarios...
Como se fosse eu o leitor que é alheio a todos os perigos que existem neste mundo imaginário...
Mas me assusta tomar parte na luta... Me assusta imaginar que não mais terei as minhas rotas de fuga imaginárias.
Essa vida pode ser por demais assustadora... o medo pode se tornar paralisante...
Preciso retomar a minha fé, pois, quase sempre, esta é tudo o que temos.